Coisas Escondidas
A primeira vez que o vi, foi em um show na minha cidade. Eu tinha 14 anos. Ele parecia arrogante e, quando o conheci, ele foi mal educado e desagradável. Achei que ele era um idiota. Mesmo sendo 10 anos mais velho, minhas amigas o achavam atraente. Ele flertava com todo mundo, brincava com algumas e quase nem mencionava seu namoro de longa data. Mas para um idiota arrogante, ele conseguia ser, ao mesmo tempo, charmoso e divertido.
Certa noite, quando eu estava prestes a ir embora sozinha do parque, ele insistiu em me levar para casa por segurança. Isso se tornou um hábito. Ele falava comigo sobre livros, música, história e Deus. Parecia gostar quando eu discordava dele; ou melhor, parecia se divertir com a minha capacidade de argumentação.
Ele me dizia que eu parecia mais velha do que as garotas da minha idade, que era mais madura e mais inteligente. Eu corava.
Sentia-me lisonjeada, reconhecida e desafiada. Gostava da atenção. Eu me sentia especial. Ele começou a me dizer como eu era importante. Sua namorada não o entendia. Sua família também não. Ele era diferente dos outros, me contava o quanto era talentoso e sensível, que estava destinado a coisas maiores. Ele me dizia que eu era a única que realmente o compreendia. Ficava mal por ele e me solidarizava.
Ele me disse que tínhamos que manter nossas conversas em segredo. Nossos amigos não entenderiam. Eles só ficariam com ciúmes. Obviamente, não poderíamos dizer a meus pais, ou a seu pai, nem a sua namorada. Eles não entenderiam. Todos eles suspeitariam de algo errado. Eu me lembro de manter esse segredo e ficava ansiosa com a possibilidade de outras pessoas nos julgarem.
Lembro de sentir vergonha.
Agora sei que estas são táticas comuns de abusadores: primeiro, isolam fisicamente as vítimas em potencial – sugerindo caminhadas, por exemplo. Conectam-se através de elogios, interesses comuns e, especialmente, manipulam sua empatia. Isso isola as vítimas emocionalmente e as amarra ao relacionamento com segredos compartilhados e vergonha.
Fui levada a sentir que tramava tudo com ele, quando, na verdade, eu era o alvo dele.
Logo depois de eu completar 15 anos, estávamos no balanço do parque numa noite e ele me beijou pela primeira vez. A partir disso, tudo se intensificou. Ele andava impacientemente perto da janela do meu quarto no meio da noite. Cobrava lealdade e compromisso instantâneos e incondicionais. Ele me escrevia cartas de amor com frases do tipo: “Aqui está meu coração em palavras e no papel. Pegue e guarde. É seu.”
No entanto, ele me abraçava e me envolvia. Sendo sincera comigo mesma, gostava muito de estar envolvida. Gostava quando se lembrava dos livros e assuntos nos quais eu estava interessada. Porém, sua intensidade era esmagadora e até assustadora.
Evidentemente, sua intensidade se transformou. Ela se tornou sexual. Eu me lembro de ficar com repulsa. Confusa. Curiosa. Animada. Estimulada. Esses sentimentos, combinados com a constante sensação de vergonha, faziam tudo parecer que eu escolhia ter um relacionamento sexual.
Todo carinho pelo qual eu ansiava era comprado com mais e mais comportamentos explícitos. Por causa desse avanço lento, fiquei anestesiada diante da realidade invasiva que vivenciava. Fui levada a sentir que tramava tudo com ele, quando, na verdade, eu era o alvo dele. Percebi que ele podia ser emocional e psicologicamente abusivo. Na noite em que terminei nosso relacionamento, ele foi violento. Por mais complicado que tenha sido aceitar que alguém que eu amava pudesse abusar de mim daquela maneira, levei décadas para reconhecer e admitir, lenta e gradualmente, que ele também abusou de mim sexualmente. Como muitos sobreviventes de abuso sexual, ainda vejo e interajo com meu agressor ocasionalmente. Às vezes, quando o vejo, estou bem. Ainda sinto amor, de uma maneira peculiar, e me preocupo com ele. Ainda assim, em outros momentos, sinto-me rechaçada, abalada, violada. Nesses dias, meus sintomas de TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) emergem com força total.
Como escrevi em outro lugar, “sei que o assédio para o abuso sexual foi tão eficaz que… Ainda me sinto responsável por meu próprio abuso. Entendo a dinâmica que produziu esse efeito em mim. No entanto, depois de todo conhecimento que adquiri, toda terapia que fiz e todos os anos de oração, ainda parece que a culpa foi minha...”
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Para uma perspectiva masculina, leia a história do Shane
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